O consumo de bebida alcoólica é um costume milenar, prática essa que trouxe ao longo do tempo inúmeros malefícios. Um deles é quando se transforma em vício, situação que passa a afetar não só o indivíduo como também o meio em que o mesmo vive, seja na família, seja no trabalho.
No âmbito profissional, o consumo do álcool pode trazer sérias consequências, eis que dispõe o art. 482, alínea "f" da CLT, que constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador a embriaguez habitual ou em serviço.
Para melhor esclarecer, a embriaguez habitual é aquela onde há ingestão frequente de bebida alcoólica, inclusive fora do serviço. No entanto, conforme o ilustre doutrinador Valentim Carrion, somente haverá embriaguez e punição quando o indivíduo intoxicado perde o governo de suas faculdades a ponto de tornar-se incapaz de executar com prudência a tarefa a que se consagra. Já a embriaguez em serviço, é aquela que ocorre no ambiente de trabalho e em tese bastaria uma vez para configurar justa causa.
Como exposto acima, existe uma regra geral que proíbe consumo de bebida alcoólica de forma a interferir/prejudicar no trabalho executado, situação que é possível dispensa por justa causa. Mas e quando o costume se transforma em vício crônico, a situação é a mesma?
A resposta toma um rumo totalmente diferente da regra da CLT, pois quando passamos a analisar decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), podemos observar que atualmente o alcoólatra é considerado portador de doença catalogada no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS), sob o título de síndrome de dependência do álcool (referência F-10.2) e, pela lógica, quem é doente deve ser tratado.
Desta forma, o TST vem entendendo que o dramático quadro social advindo desse vício crônico, impõe que se dê solução distinta daquela que imperava em 1943, quando passou a viger a letra fria e hoje caduca do art. 482, f, da CLT, no que tange à embriaguez habitual, incumbindo ao empregador, seja por motivos humanitários, seja porque lhe toca indeclinável responsabilidade social, ao invés de optar pela resolução do contrato de emprego, sempre que possível, afastar ou manter afastado do serviço o empregado portador dessa doença, a fim de que se submeta a tratamento médico visando recuperá-lo.
O empregador deve ser cauteloso nestas situações, pois a embriaguez traz consigo não apenas a diminuição no rendimento, mas pode ocasionar prejuízos, acidentes de trabalho e outras situações de risco. Logo, deve ser tratado e não punido, até mesmo porque não tem a capacidade de conter o impulso pela ingestão exagerada de bebidas alcoólicas, e também porque conforme o Código Civil em seu art. 4º, declara serem relativamente incapazes os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido.
Desta forma, o empregador quando constata a situação de vício crônico por álcool não deve ficar inerte aguardando o pior, tendo apenas duas opções: ou dispensa sem justa causa, que além de onerar mais a empresa por conta de pagamento de multas, não terá bom impacto social, pois estaria agravando a situação do doente de certa forma, ou encaminhar o trabalhador ao INSS para tratamento, pois uma dispensa por justa causa imediata a constatação da embriaguez em serviço pode trazer o risco de reversão do motivo da dispensa determinado pela justiça, condenando em alguns casos inclusive a dano moral.
Alan Franco Scorpioni – advogado em Mato Grosso