sábado, 7/setembro/2024
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(Re)pensando o sistema processual penal brasileiro II

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Ao Estado Brasileiro cumpre o dever constitucional de assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previstos no art.5º da Constituição da República de 1988, dentre os quais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança de todos os indivíduos que se encontram em território nacional (art.144 da CR/88). Nessa árdua tarefa, notadamente na área de segurança pública, a atuação do Estado pode ser dimensionada em quatro momentos: 1. Elaboração da legislação penal e processual penal a ser cumprida em todo país; 2. Atividade de investigação de condutas penalmente relevantes; 3. Processamento e julgamento das ações penais; 4. Fiscalização na execução das sanções penais impostas.

Nesse contexto pode-se afirmar que o Estado detém o monopólio de atuação no enfrentamento da criminalidade – o cidadão pode, mas o Estado tem o dever de prender os delinquentes (art.301 do Código de Processo Penal) – deflagrando a prestação de serviços públicos desde o momento em que o ilícito penal é comunicado oficialmente (lavratura de boletim de ocorrência, auto de prisão em flagrante delito, instauração de inquérito criminal, lavratura de termo circunstanciado e outros) até o acompanhamento e fiscalização das penas impostas aos meliantes (pecuniária, alternativas, restritivas de direitos e privativas de liberdade).

É evidente que o agir do Estado no âmbito do sistema público de segurança não pode ser abusivo, tampouco ilegal, sob pena de espelhar viés autoritário e arbitrário suficiente a deslegitimar a atuação das autoridades nele inseridas. Por tal razão, toda a planície do sistema processual penal é imantada por princípios e garantias constitucionais que conferem dosagem limitativa ao agir das autoridades constituídas (delegados, juízes, promotores, defensores públicos e outros), assegurando ao cidadão o respeito à dignidade humana e a observância do devido processo legal (contraditório, ampla defesa, duração razoável dos processos, preservação da intimidade, inviolabilidade de sigilos, caráter excepcional da prisão provisória, fundamentação das decisões, vedação de provas ilícitas e outras).

A partir do tratamento dispensado a esta pendular conflituosidade (Atuação do Estado Processual Penal X Preservação da Dignidade Humana – até do preso) pode ser visualizado o modelo de tutela jurisdicional penal presente em determinada realidade social, bem como medir o grau de legitimidade do sistema (credibilidade e satisfação social). Nesse quadrante atinge clareza solar a constatação de que o Brasil apresenta graves distorções em ambos os polos pendulares, deixando de cumprir o papel (principal) constitucional de garantidor originário da ordem pública. Exemplos não faltam a ilustrar a gravidade dos problemas que cercam o sistema processual penal brasileiro, bastando destacar: o reduzido quadro de servidores (delegados, escrivães e investigadores) da Polícia Federal em contraposição à extensa faixa fronteiriça (tornando ineficaz o combate ao tráfico de entorpecentes, armas, de pessoas e de animais); reduzido compartilhamento de informações entre os órgãos federais e estaduais que integram o sistema de segurança pública; falta de sincronização na atuação das diversas forças de segurança (polícia civil, militar, federal), notadamente no combate à macro-criminalidade (narcotráfico, lavagem de dinheiro e capitais, corrupção na administração pública e outros); ausência de legislação adequada ao combate às organizações criminosas que atuam no país (incluindo as que agem com poder central dentro do sistema prisional); aplicação equivocada de verbas públicas destinadas, via dotação orçamentária da União e Estados, ao setor público de segurança; e, para não mais alongar, a ausência de políticas públicas consistentes (tanto no Plano Federal como nas Unidades Federadas) no enfrentamento da criminalidade (há exceções como por exemplo o modelo de implantação das Unidades de Pacificação na cidade do Rio de Janeiro).

Os problemas estruturais retratados revelam apenas a ponta do iceberg, a exigir resposta pronta e eficaz do Estado, sob pena de o sistema entrar em colapso e propulsionar grave crise de insegurança no meio social, suficiente a retirar por completo – se é que ainda persiste – a legitimidade das instituições que atuam no setor.

O quadro pode ser revertido? É claro que sim. Basta que nossos mandatários (Presidente da República, Ministro da Justiça, Governadores, Secretários de Segurança e muitos outros) e legisladores (daí a responsabilidade de cada cidadão quando do sufrágio) cuidem do tema com a prioridade que merece a partir de uma visão global e profilática (preventiva), adotando medidas a curto, médio e longo prazo que venham a revelar o tratamento do tema "segurança pública" como questão de Estado e não de Governo. É possível.

Reinaldo Rodrigues de Oliveira Filho – Promotor de Justiça no Estado de Mato Grosso. Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Professor da Universidade de Cuiabá.

 

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