As relações contratuais geram incansáveis discussões, tanto nas negociações preliminares quanto na execução dos contratos, por isso, a boa-fé objetiva é fator fundamental de interpretação. Assim, avalia–se sob a batuta da boa-fé objetiva tanto a responsabilidade pré-contratual, como a responsabilidade contratual e a pós-contratual.
Boa-fé significa, portanto, a ação refletida que visa não apenas o seu próprio bem, mas o bem do parceiro contratual, permitindo, assim, um equilíbrio que foi estipulado no contrato. Essa relação deve ser conduzida pela virtude. Significa respeitar as expectativas razoáveis do parceiro, agir com lealdade, não causar lesão ou desvantagem e cooperar para atingir o bem das obrigações.
É nesse sentido que o princípio da boa-fé se revela como fonte de novos deveres ou obrigações, os denominados deveres de conduta, tais como: os deveres de esclarecimentos, que acontecem sobre a obrigação de prestar todas as informações que são necessárias; os deveres de proteção, que são sobre a obrigação de evitar danos; deveres de lealdade, sobre a obrigação de comportar-se com lealdade e evitar desequilíbrios; e os deveres de transparência, que incidem sobre a obrigação na publicidade e marketing, para prestar boa, clara e correta informação.
“A boa-fé se constitui numa fonte autônoma de deveres, independentemente da vontade, e, por isso, a extensão e o conteúdo da relação obrigacional já não se medem somente nela e sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente as regras do negócio jurídico com a admissão de um dinamismo que escapa ao controle das partes. A boa-fé significa a aceitação da interferência de elementos externos na intimidade da relação obrigacional, com poder limitador da autonomia contratual. O princípio da boa-fé significa que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas pois, ocupação que se pratica com o que se espera que faça a qualquer pessoa que participe, sendo honesta e corretamente do tráfego jurídico”. (Ruy Rosado Aguiar Junior, Extinção dos contratos por incumprimento do devedor, p. 238)
Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências. Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e de negócio.
Em primeiro lugar, importa registrar que a boa-fé apresenta dupla faceta, a objetiva e a subjetiva. Esta última, vigorante em matéria de direitos reais e casamento putativo, corresponde fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de realizar em conformidade com o direito.
Já a boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-se ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, “a consideração para com os interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado”.
Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de comportamento leal. A conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de “honestidade pública”.
Assim, a interpretação das leis e dos contratos não deve ser feita in abstrato, mas sim in concreto. Isto é, em função de sua função social.
Augusto Cesar de Carvalho Barcelos – advogado em Cuiabá