quarta-feira, 24/abril/2024
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Loucos solitários

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Muita gente que comprou ingresso para os jogos olímpicos, agora anda com medo, depois do que aconteceu em Nice. Basta um motorista e um caminhão para matar quase 90 pessoas que viam fogos numa orla marítima, tal como acontece no fim-de-ano em Copacabana. Dias depois, num trem, na Alemanha, um jovem afegão investiu contra os passageiros, golpeando-os com uma machadinha e um facão. A arma de fogo não é necessária, quando o cérebro está armado de ódio, ressentimento e tendência suicida. Bastam nossas mãos na direção de um caminhão ou um ônibus, ou arremessando uma pedra, ou     golpeando com uma barra de ferro ou pau, ou até com unhas e dentes, cabeçadas, ponta-pés. Somos, também, uma arma mortífera, com ódio e loucura no cérebro. Em geral, fingimos que a motivação é religiosa, para dar algum significado ao gesto que se sabe ser vazio e sem grandeza.

Muitos fazem isso por vingança, como o atirador de Orlando, freqüentador da boate gay onde devem ter surgido seus ressentimentos; ou o atirador de Dallas, como o de Baton Rouge, que decidiram matar policiais por preconceito de cor. Todos são desequilibrados que têm como recompensa não o paraíso com setenta virgens, mas a notoriedade post-mortem. Se o tunisiano de Nice pudesse ressuscitar, ficaria extremamente feliz ao ver sua foto e seu nome nos jornais e televisões do mundo inteiro.  Mas se ele não vai ter esse prazer, os outros desequilibrados certamente hão de querer ser como ele, objeto do noticiário, enfim, depois de suas vidas ressentidas, em que se vitimizam e culpam os outros. Dar o nome e mostrar o rosto desses loucos solitários sempre vai estimular os próximos. O de Nice certamente estimulou o afegão do trem alemão. O Estado Islâmico, que valoriza a propaganda e está em baixa, reinvindica tudo para si, para sua inspiração, tentando demonstrar poder. 

Em 1914, o homem que matou a tiros de revólver o herdeiro do Império Austro-Húngaro, na verdade matou 10 milhões de pessoas dos 70 países que entraram em guerra depois daquele assassinato. Convulsionou o mundo até 1918 e deixou 20 milhões de feridos e ainda levantou no ar os ressentimentos que levaram à Segunda Guerra Mundial. A Humanidade se contaminou fácil pela violência daquele dia em Saraievo. Hoje, violência e medo se misturam aqui no Brasil das Olimpíadas. Às vésperas dos jogos, balas perdidas param o trânsito na avenida que liga o aeroporto de entrada ao centro da cidade do Rio; veículos são queimados, assaltos aumentam nos bairros turísticos. O país banalizou a morte e o crime. Em Fortaleza, a polícia protesta por falta de segurança até para ela mesma. E, significativamente, em Parnamirim, Natal, vizinhos depredam escola nova para roubar forros, janelas, paredes, torneiras. Um símbolo de que o crime e a ignorância se impõem sobre a Educação. 

A Olimpíada no país onde a segurança, a saúde e o ensino estão falidos é o retrato acabado da terra do carnaval. Está tudo acabado, mas resta festejar. Festeja, nem que seja seu próprio fim. A culpa é sempre dos outros. A solução sempre há de vir de alguém poderoso que nos proteja. O Cristo, sobre o Corcovado, continua de braços abertos, porque a cruz está oculta pelos seus escultores. Vamos sorrir. Chegou a quarta-feira de cinzas, mas nos recusamos a deixar a terça-feira gorda. Um país de loucos solitários. Com medo dos lobos, nos transformamos em ovelhas eternamente tosquiadas.

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